sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Madame Bovary


O dia seguinte custou a passar! Ela passeou no jardinzito, passando e voltando a passar pelos mesmos caminhos, parando diante dos canteiros, diante da latada, diante do padre de gesso, olhando admirada para todas aquelas coisas que já antes tão bem conhecia. Como lhe parecia já ir longe o baile! Quem separava, então, a tamanha distancia, a manha de anteontem da tarde de hoje? A viagem de Vaubyessard cavara um fosso na sua vida, à maneira das grandes fendas que uma tempestade, numa única noite, cava as vezes na montanha. No entanto, resignou-se; fechou, com devoto cuidado, na sua cómoda, o belo vestido, e até os sapatos de cetim com a sola amarelecida da cera escorregadia do salão. Tinha o coração como eles: ao contacto com a riqueza, estivera sobre qualquer coisa que nunca mais se haveria de apagar.

A recordação daquele baile tornou-se então para Emma uma ocupação. Sempre que chegava a quarta-feira, pensava ela, ao acordar: «Ah!, faz hoje oito dias…faz hoje quinze dias…faz hoje três semanas, la estava eu!» E, a pouco e pouco, as fisionomias foram-se confundido na sua memoria, esqueceu a musica das contradanças, deixou de recordar tão distintivamente as librés e os aposentos; desvaneceram-se alguns pormenores, mas ficou-lhe a saudade.

Gustave Flaubert Madame Bovary


Sem comentários: